Travessia
“Travessia” encena narrativas em disputas, partindo de um sentimento de percurso na contramão de uma
arquitetura global e local que trabalha para uma homogeneidade das subjetividades, em caminhos
unidirecionais. Derrubando fronteiras perceptivas, contemplando nas brecha estratégias outras, forjando
intervenções nas encruzilhadas do imaginário, atravessando a divisa, aquela que se inscreveu no âmbito
da cultura, nossa morada.
Deslocando no âmbito que está por trás e fora da imagem, dos regimes políticos, nossos afetos,
a dissidência sexual e de gênero, que por ora não se manifesta em inteligível aos códigos ocidentais,
buscou se devolver mirada àquilo que para nós é instância inconforme às corpas desviantes, rotas de
outras gestualidades e às coreografias da curva como lócus de produção de subjetividades em fuga.
Tensionando o regime visual que se estabeleceu em hierarquia dos sentidos, distanciando da visão como
centro de todos os sentidos, desestabilizando a hegemonia da cultura do visual, a coletiva se propôs,
por tudo isso, em uma investigação imbricada com questões que permeiam a vida das corpas em
Travessias.
Espiralando o espaço-tempo, construindo barricadas em estradas de terras, dormindo na margem do rio,
olhando nas bordas daquilo que se fez água, se pretendeu inversão de economias de valores, desestabilização
dos regimes de verdade, assim como a criação de tecnologias de intimidade conectadas aos deslimites
da linguagem, disputando e construindo ferramentas diversas de ver e conceber o mundo e também sobre
a própria existência.
Adriano Braga, Andresa Moreno, Gustavo Machado e Nutyelly Cena.
Leituras:
Colectivo Ayllu. Devuélvannos el oro. Acciones anticoloniales y cosmovisiones perversas. 1ª edición, octubre 2018.
Glissant, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade; editora UFJF, 2005.
No existe sexo sin racialización. Leticia Rojas, Francisco GOdoy, Kenza Benzidan, LuciaEgaña, Iki Yos Piña; prólogo: Yurderkys Epinosa.
Hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade / bell hooks; tradução de Marcelo Brandão Cipolla - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.
MOMBAÇA, Jota. Pode um cu mestiço falar?
PRECIADO, Paul B. Manifesto Contrassexual.
Âmbar
Também quero gozar, 2022
Diário de processo em caderno de papel kraft , dildo amarelo, fotocolagem
Dimensões variáveis
O sexo sempre foi uma experiência para mim. Digo, porque não conhecia nenhuma narrativa ou protocolo para o sexo de pessoas como eu, para ser mais específica, o sexo de pessoas trans que tenho conhecimento vem de próprias experiências e pornografia, onde não havia muita identificação, a bruto modo, identifico dois padrões no pornô: a trans ultra feminina, e a que coloca calcinha (não importa o resto). É raso de se identificar, mas houveram pouquíssimas referências sexuais para corpos como o meu. Que hoje entendo como dissidente, proposto ao fetiche, a admiração sigilosa e sexualização monstruosa. Criei e ressignifiquei narrativas e acontecimentos, para que pudesse me sentir mais gente quando transasse. Que não fosse como nos primórdios em que eu só entendia que carne queria carne. Até entender que não necessariamente preciso de carne.
Âmbar, codinome Pictórica é multiartista, tem 25 anos, vem de Guapó (GO), atualmente mora em Goiânia. Experimentadora de linguagens diversas, com foco na performance como propulsora de sua produção. Investiga o corpo, da carne à mente, seus atravessamentos sociais, possibilidades de transfiguração e transformações decoloniais das narrativas de gênero, raça, padrões de beleza. Se relaciona à espiritualidade yorubá-brasileira, como posicionamento político e expansão da concepção de existência neste planeta.
Ana Reis Série Autoficções de isolamento Fotoperformance, 2020
A criação de imagens autoficcionais atravessa o corpo como órbitas desviantes no epicentro do caos. Imersa num cotidiano reduzido ao espaço da casa, no início da confusão instaurada pela crise pandêmica, a artista se lança num exercício diário de construção de auto retratos ficcionais, onde a imagem de si se dissolve e se camufla, imersa no encontro com os objetos e cores que a envolvem. O cotidiano repetido, o estado de suspensão, a sensação de sermos corpo-só e, ao mesmo tempo, corpo coletivo emaranhado nas biogeografias de vulnerabilidades.
Curva ascendente> milhares de corpos diariamente fora da órbita-Brasil com traços graves de autoritarismo e ação genocida do estado. Uma curva que mais parece uma queda que não pára nunca de despencar. São mais de 500 anos descendo ladeira abaixo: Brasil-colônia máquina de moer gente.
Rota de fuga> orbitar pelo desvio em sobrevivências autoficciográficas
Ana Reis é habitante do cerrado, pesquisa as poéticas e políticas do corpo, e se lança em experimentações da performance e da criação de subjetividades sensoriais dissidentes. Pesquisa práticas artísticas autobiográficas e autoficcionais que produzam rachaduras e rasgos nas relações hegemônicas de gênero em potências micropolíticas. Professora Adjunta e atual coordenadora do Curso de Dança da UFG, ativa a performance e as práticas de fronteira no território da educação em artes. Doutora em Artes - Poéticas Contemporâneas pela UnB, Mestre em Artes e Graduada em Artes Plásticas pela UFU, busca ocupar o espaço acadêmico nas bordas do possível de sua insubordinação, contaminando a cientificidade e a neutralidade colonizadora. Coordena a linha de pesquisa “Práticas Artísticas Autoficcionais e dissidências nas estruturas de gênero e colonialidade” no Núcleo de Práticas Artísticas Autobiográficas – NuPAA/UFG. Idealiza e produz, em formato colaborativo, o “ROÇAdeira: encontros performáticos em lugares improváveis”. Integra os coletivos “SindLAUPer: Sindicato das Loucas Artistas Unidas da Performance” e “Acocoré: arte, coletivos, conexões e redes”. Participa de exposições, residências e encontros de arte e pesquisa.
Beatriz Bortolozzo Gula, 2022 Pintura-Instalação
Que prazer, que delícia. Hoje, amanhã. De dia, de noite, a tarde, um brunch. Molho vermelho, cobertura de chocolate, engasgo com o tanto que coloco na colher, mas ainda tem muito. Termino com dor no estômago. Prefiro digerir minhas refeições deitada, dormindo. Engulo ossos, pelos, dentes, unhas, escamas, faço a digestão por 15 dias, desacordada. Acordo com fome. Como na cama e durmo na mesa, de novo de novo.**
Beatriz Bortolozzo, artista do interior de São Paulo, atualmente reside em Goiânia. Formada em Arte Visuais pela UFG concentra-se principalmente na linguagem da pintura.
Marcelo Solá
Sem título, 2007
Mista sobre papel algodão.
Assíduo desenhista, Marcelo Solá se comunica principalmente através desta linguagem. O artista transmite sua maneira de ver o mundo e a vida cotidiana nas cidades, com constantes destaques para a arquitetura. Explora seus traços em mídias diversas, como a serigrafia, a monotipia e até a instalação. Participou de importantes exposições no Instituto Tomie Ohtake, na Funarte, nos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, no Festival de Cultura da Bélgica, na 25ª Bienal de São Paulo e no Drawing Center, (Nova York). Recebeu prêmios como a “Bolsa de Apoio a Pesquisa e Criação Artística”, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e duas vezes o “Prêmio Projéteis de Arte Contemporânea”, da Funarte. Além disso, ainda participou de residências artísticas no Brasil e no exterior, como nos Estados Unidos, Canadá e Holanda.
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