DOBRA


Entendendo que os espaços independentes são espaços indispensáveis na concorrência das políticas de representação, mapas cognitivos e na disputa quanto aos regimes de verdade, ficamos extremamente honrados e contentes com a possibilidade de ocupar o espaço da APILASTRA. Temos buscado uma forma de especular a Dobra e através dela, intervindo em processos complexos de forjamento das construções de (in)versões de fatos históricos, ligados aos sujeitos, racializados e/ou sexualmente não comprometidos com as normativas de matriz oficial e hegemônica, cisbrancoheteropatriarcal. Para tanto, ficcionalizamos essa exposição coletivamente objetivando mobilizar aspectos no âmbito do ecológico, social e espiritual.

A Dobra é o que religa o dentro e fora dos campos de Visualidades e Invisibilidades, dialogando com o que está estruturalmente fora, se comprometendo com aquilo que historicamente ficou no campo do esquecimento, negociando com o que é dentro, ainda que dentro-fora, friccionando arquiteturas e organizações do saber-poder, alargando o campo das opacidades, interrogando o que se forjou como centralidade nas políticas de representação, dos saberes e epistemologias. A dobra é gesto inconcluso e simbólico de sentir-pensar quanto a nexos estéticos, cognitivos e intuitivos, espaço também de inversão e dos paradigmas epistêmicos e simbólicos. O que aqui se propõe é o comprometimento com a escritura de uma outra arquitetura cognitiva e poética. Ainda que a Dobra toque o âmbito do irrepresentável.

 Essa exposição também se propõe a prestar uma citação a artista Mauricinho Hippie, e para tanto, buscou devolver mirada àquilo que para nós é instância inconforme às corpas desviantes, rotas de outras gestualidades e às coreografias da curva como lócus de produção de subjetividades em fuga. Tensionando o regime visual que se estabeleceu em hierarquia dos sentidos, distanciando da visão como centro de todos os sentidos, desestabilizando a hegemonia da cultura do visual, o grupo plural, heterogêneo e diverso se propôs, por tudo isso, em uma investigação imbricada com questões que permeiam a vida das corpas em Travessias.

 

Núcleo curatorial: Adriano Braga, Andresa Moreno, Gustavo Machado e Nutyelly Cena.

 

 

Leituras:

Colectivo Ayllu. Devuélvannos el oro. Acciones anticoloniales y cosmovisiones perversas. 1ª edición, octubre 2018.

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano

Glissant, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade; editora UFJF, 2005.

No existe sexo sin racialización. Leticia Rojas, Francisco GOdoy, Kenza Benzidan, LuciaEgaña, Iki Yos Piña; prólogo: Yurderkys Epinosa.

Hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade / bell hooks; tradução de Marcelo Brandão Cipolla - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

LEAL, Dodi. “A arte travesti é a única estética pós-apocalíptica possível? Pedagogias antiCIStêmicas da pandemia”. N-1 Edições, 2020. Disponível em https://n-1edicoes.org/094 , acesso em 26/08/2020. LE BRETON, David. “Uma antropologia dos sentidos”. In: Antropologia dos sentidos. Petrópolis: Vozes, 2016. LEPECKI, André. “Coreopolítica e coreopolícia”. In: Ilha – Revista de Antropologia, v.13, n. 1-2, 2011.

MOMBAÇA, Jota. “A plantação cognitiva”. In: MASP AfterAll. São Paulo: MASP, 2020.



Âmbar

Também quero gozar, 2022

Diário de processo em caderno de papel kraft , dildo amarelo, fotocolagem

Dimensões variáveis



O sexo sempre foi uma experiência para mim. Digo, porque não conhecia nenhuma narrativa ou protocolo para o sexo de pessoas como eu, para ser mais específica, o sexo de pessoas trans que tenho conhecimento vem de próprias experiências e pornografia, onde não havia muita identificação, a bruto modo, identifico dois padrões no pornô: a trans ultra feminina, e a que coloca calcinha (não importa o resto). É raso de se identificar, mas houveram pouquíssimas referências sexuais para corpos como o meu. Que hoje entendo como dissidente, proposto ao fetiche, a admiração sigilosa e sexualização monstruosa. Criei e ressignifiquei narrativas e acontecimentos, para que pudesse me sentir mais gente quando transasse. Que não fosse como nos primórdios em que eu só entendia que carne queria carne. Até entender que não necessariamente preciso de carne.

Âmbar, codinome Pictórica é multiartista, tem 25 anos, vem de Guapó (GO), atualmente mora em Goiânia. Experimentadora de linguagens diversas, com foco na performance como propulsora de sua produção. Investiga o corpo, da carne à mente, seus atravessamentos sociais, possibilidades de transfiguração e transformações decoloniais das narrativas de gênero, raça, padrões de beleza. Se relaciona à espiritualidade yorubá-brasileira, como posicionamento político e expansão da concepção de existência neste planeta.



Ana Reis Série Autoficções de isolamento Fotoperformance, 2020

 

A criação de imagens autoficcionais atravessa o corpo como órbitas desviantes no epicentro do caos. Imersa num cotidiano reduzido ao espaço da casa, no início da confusão instaurada pela crise pandêmica, a artista se lança num exercício diário de construção de auto retratos ficcionais, onde a imagem de si se dissolve e se camufla, imersa no encontro com os objetos e cores que a envolvem. O cotidiano repetido,  o estado de suspensão, a sensação de sermos corpo-só e, ao mesmo tempo, corpo coletivo emaranhado nas biogeografias de vulnerabilidades. 

Curva ascendente> milhares de corpos diariamente fora da órbita-Brasil com traços graves de autoritarismo e ação genocida do estado. Uma curva que mais parece uma queda que não pára nunca de despencar. São mais de 500 anos descendo ladeira abaixo: Brasil-colônia máquina de moer gente.

Rota de fuga> orbitar pelo desvio em sobrevivências autoficciográficas 



Ana Reis é habitante do cerrado, pesquisa as poéticas e políticas do corpo, e se lança em experimentações da performance e da criação de subjetividades sensoriais dissidentes. Pesquisa práticas artísticas autobiográficas e autoficcionais que produzam rachaduras e rasgos nas relações hegemônicas de gênero em potências micropolíticas. Professora Adjunta e atual coordenadora do Curso de Dança da UFG, ativa a performance e as práticas de fronteira no território da educação em artes. Doutora em Artes - Poéticas Contemporâneas pela UnB, Mestre em Artes  e Graduada em Artes Plásticas pela UFU, busca ocupar o espaço acadêmico nas bordas do possível de sua insubordinação, contaminando a cientificidade e a neutralidade colonizadora. Coordena a linha de pesquisa “Práticas Artísticas Autoficcionais e dissidências nas estruturas de gênero e colonialidade” no Núcleo de Práticas Artísticas Autobiográficas – NuPAA/UFG. Idealiza e produz, em formato colaborativo, o “ROÇAdeira: encontros performáticos em lugares improváveis”. Integra os coletivos “SindLAUPer: Sindicato das Loucas Artistas Unidas da Performance” e “Acocoré: arte, coletivos, conexões e redes”. Participa de exposições, residências e encontros de arte e pesquisa.



Beatriz Bortolozzo Gula, 2022 Pintura-Instalação

Que prazer, que delícia. Hoje, amanhã. De dia, de noite, a tarde, um brunch. Molho vermelho, cobertura de chocolate, engasgo com o tanto que coloco na colher, mas ainda tem muito. Termino com dor no estômago. Prefiro digerir minhas refeições deitada, dormindo. Engulo ossos, pelos, dentes, unhas, escamas, faço a digestão por 15 dias, desacordada. Acordo com fome. Como na cama e durmo na mesa, de novo de novo.**

Beatriz Bortolozzo, artista do interior de São Paulo, atualmente reside em Goiânia. Formada em Arte Visuais pela UFG concentra-se principalmente na linguagem da pintura.





Céu Barbosa

Queda Eminente, 2021

71x20 cm



"Queda Eminente" trata-se de uma obra finalizada em julho de 2021, com dimensões de 71 x 20 cm (75x24cm com moldura), que faz uso da técnica de bordado com miçangas azuis, utilizando linha vermelha sobre algodão tingido de vermelho, com fundo em algodão cru. As cores representam de forma simbólica o sangue e a água em uma simulação de cortes e cicatrização. O movimento repetitivo que o bordado proporciona, funciona como uma metáfora para o incansável ciclo de ferida e cicatrização parcial que se montam em meu corpo e de uma eminente queda que essas feridas tal hora podem causar. A vida tenta se manter pela sustentação de um fio, de uma linha que costura de volta água e sangue para dentro da pele.



Céu Barbosa (cadelaceu) é travesti, pesquisadora, artista visual e circense. Transita na hibridização de dança, circo, foto e vídeo performance e outros meios em busca de técnicas e suportes que consigam traduzir suas percepções e narrativas que surgem a partir do estudo autobiográfico. Também investiga produções visuais de vestir (werable art) pensando nas possíveis performances que surgem no que, quem e quando se veste.





Félix Beatriz Perini

lugares de guardar o corpo, 2022



como matéria gasosa meu corpo toma a forma do lugar que ocupa. como matéria gasosa seu corpo pequenininho em uma caixa ainda faz brilhar. é um mistério a coleção de recipientes. a capacidade de mutação nosso segredo ancestral em fratura exposta. lugares de guardar o corpo. lugares de soltar o corpo.



Félix Beatriz Perini é artista e designer nascido e criado em Goiânia. Transviado que faz colagem de imagens e sons, experimenta o desenho e pintura que muitas vezes se materializam em zines e impressões de baixa tiragem.





Luda Bulhões Laroyê

DesTrava:os caminhos que o corpo abre, 2022

28 fotos



Esssa exposição chega pra mim como um convite de extrema importância. Nesse trabalho quis mostrar a beleza e a diversidade cerratense que também sou eu, mostrando o meu corpo travesti, racilizado dentro de um contexto, ao mesmo tempo, verde e urbano. As 28 fotos celembram a minha vida e carregam a potência de um corpo, que ainda cotidianamente violentado pelo olhares do cotidiano, dança para escapar. Aqui de forma artística , influênciada pela dança esbanjando consciência corporal e principalmente celebrando a vida, que o corpo pode se tornar, desde uma arma perigosa até o mais singelo ato artístico. Aqui o corpo é os dois!



Luda Bulhões Laroyê é graduada em Educação Física pela UEG, Luda Bulhões tem 28 anos, é uma travesti preta retinta, maquiadora, performe,artivista do movimento negro atuando em diversos movimentos sociais, ex-integrante da Onep (Organização Negra periférica Carolina Maria de Jesus) e é uma das mães da casa de laroyê ,agora inserida na cultura de baile.



Marlan

Corpo a Dentro, 2022



Trazer consciência ao corpo/território requer investigar não só a respeito da biologia que compõe, mas também daquilo que socialmente e historicamente representa. Das vias, travessias e atravessamentos. Neste trabalho “Corpo a dentro” me debruço sobre as bordas da cartografia do corpo. Tão física quanto a boca, tão imaterial como a linguagem. Veias , artérias e aorta, rotas marítimas e hidrovias, processos de invasão. Rio afora o sangue jorra, em segundos percorre todo o corpo, lacustre, afluente, foz e mar. E ao entender corpo enquanto território e território enquanto corpo, percorro as vias circulatórias que contornam nossas fronteiras e desvios.



Marlan Cotrim, 28 anos, artista trans não binário natural de Goiânia GO. Desenvolve trabalhos em arte têxtil desde 2015. O corpo e os dilemas que marcaram sua corporeidade são pontos fundamentais na narrativa, após atuar como bailarine, figurinista e estudar moda, Marlan ingressa nos processos de arte têxtil, encontrando no tecido suporte para sua pesquisa (a pele), o bordado como metáfora aos atravessamentos e tecelagens como processos de cicatrização. Hoje atua de forma interdisciplinar entre os ramos da arte têxtil, design e performance.





Ro Ro Brasil

SHE'S A FUCKING FASHION ICON, 2022

Instalação 

 

SHE'S A FUCKING FASHION ICON é o momento do projeto de fotografia que borra os limites entre "moda" e autorretrato. Através da imagem da minha

mãe fui concebendo muito do que percebo os movimentos do meu corpo. Esse corpo sempre se derrama. Espelha. Não cabe. Analiso e construo símbolos.

Busco olhar com cuidado aquilo que não se pode ver. Um corpo relacional se destaca. Aceitação não mais me interessa, busco as complexidades dos corpos

que me atravessam. A dureza desse olhar me torna crua, quase impalatável. Ancias me acompanham em movimentos compulsivos na construção de símbolos

dos movimentos dos meus incontáveis corpos. Reclamando os lugares impossíveis para assim poder construir futuridade. Muito além do que os limites do corpo material pode delimitar, símbolos, e suas relações constroem um lugar onírico de aparições turvas.

 

 

Marcelo Solá

Sem título, 2007

Mista sobre papel algodão.

 

Assíduo desenhista, Marcelo Solá se comunica principalmente através desta linguagem. O artista transmite sua maneira de ver o mundo e a vida cotidiana nas cidades, com constantes destaques para a arquitetura. Explora seus traços em mídias diversas, como a serigrafia, a monotipia e até a instalação. Participou de importantes exposições no Instituto Tomie Ohtake, na Funarte, nos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, no Festival de Cultura da Bélgica, na 25ª Bienal de São Paulo e no Drawing Center, (Nova York). Recebeu prêmios como a “Bolsa de Apoio a Pesquisa e Criação Artística”, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e duas vezes o “Prêmio Projéteis de Arte Contemporânea”, da Funarte. Além disso, ainda participou de residências artísticas no Brasil e no exterior, como nos Estados Unidos, Canadá e Holanda.

 

Mauricinho Hippie

Sem Título, 1960-1970.

Assemblage

 

Artista vanguardista que tornou-se ícone da contracultura e do comportamento dissidente e queer em Goiânia. Dobra também é uma homenagem a esse artista de inconteste importância pra gente.

 

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