DOBRA
Entendendo
que os espaços independentes são espaços indispensáveis na concorrência das
políticas de representação, mapas cognitivos e na disputa quanto aos regimes de
verdade, ficamos extremamente honrados e contentes com a possibilidade de
ocupar o espaço da APILASTRA. Temos buscado uma forma de especular a Dobra e
através dela, intervindo em processos complexos de forjamento das construções
de (in)versões de fatos históricos, ligados aos sujeitos, racializados e/ou
sexualmente não comprometidos com as normativas de matriz oficial e hegemônica,
cisbrancoheteropatriarcal. Para tanto, ficcionalizamos essa exposição
coletivamente objetivando mobilizar aspectos no âmbito do ecológico, social e
espiritual.
A Dobra é o que religa o dentro e fora dos campos de Visualidades e Invisibilidades, dialogando com o que está estruturalmente fora, se comprometendo com aquilo que historicamente ficou no campo do esquecimento, negociando com o que é dentro, ainda que dentro-fora, friccionando arquiteturas e organizações do saber-poder, alargando o campo das opacidades, interrogando o que se forjou como centralidade nas políticas de representação, dos saberes e epistemologias. A dobra é gesto inconcluso e simbólico de sentir-pensar quanto a nexos estéticos, cognitivos e intuitivos, espaço também de inversão e dos paradigmas epistêmicos e simbólicos. O que aqui se propõe é o comprometimento com a escritura de uma outra arquitetura cognitiva e poética. Ainda que a Dobra toque o âmbito do irrepresentável.
Núcleo curatorial: Adriano
Braga, Andresa Moreno, Gustavo Machado e Nutyelly Cena.
Leituras:
Colectivo
Ayllu. Devuélvannos el oro. Acciones anticoloniales y cosmovisiones perversas.
1ª edición, octubre 2018.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano
Glissant,
Edouard. Introdução a uma poética da diversidade; editora UFJF, 2005.
No existe
sexo sin racialización. Leticia Rojas, Francisco GOdoy, Kenza Benzidan,
LuciaEgaña, Iki Yos Piña; prólogo: Yurderkys Epinosa.
Hooks, bell.
Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade / bell hooks;
tradução de Marcelo Brandão Cipolla - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2013.
LEAL, Dodi.
“A arte travesti é a única estética pós-apocalíptica possível? Pedagogias
antiCIStêmicas da pandemia”. N-1 Edições, 2020. Disponível em
https://n-1edicoes.org/094 , acesso em 26/08/2020. LE BRETON, David. “Uma
antropologia dos sentidos”. In: Antropologia dos sentidos. Petrópolis: Vozes,
2016. LEPECKI, André. “Coreopolítica e coreopolícia”. In: Ilha – Revista de
Antropologia, v.13, n. 1-2, 2011.
MOMBAÇA,
Jota. “A plantação cognitiva”. In: MASP AfterAll. São Paulo: MASP, 2020.
Âmbar
Também quero gozar, 2022
Diário de processo em caderno de papel kraft , dildo amarelo,
fotocolagem
Dimensões variáveis
O sexo sempre foi uma experiência para mim. Digo, porque não conhecia
nenhuma narrativa ou protocolo para o sexo de pessoas como eu, para ser mais
específica, o sexo de pessoas trans que tenho conhecimento vem de próprias
experiências e pornografia, onde não havia muita identificação, a bruto modo,
identifico dois padrões no pornô: a trans ultra feminina, e a que coloca
calcinha (não importa o resto). É raso de se identificar, mas houveram
pouquíssimas referências sexuais para corpos como o meu. Que hoje entendo como
dissidente, proposto ao fetiche, a admiração sigilosa e sexualização
monstruosa. Criei e ressignifiquei narrativas e acontecimentos, para que
pudesse me sentir mais gente quando transasse. Que não fosse como nos
primórdios em que eu só entendia que carne queria carne. Até entender que não
necessariamente preciso de carne.
Âmbar, codinome Pictórica é multiartista, tem 25 anos, vem de Guapó
(GO), atualmente mora em Goiânia. Experimentadora de linguagens diversas, com
foco na performance como propulsora de sua produção. Investiga o corpo, da
carne à mente, seus atravessamentos sociais, possibilidades de transfiguração e
transformações decoloniais das narrativas de gênero, raça, padrões de beleza.
Se relaciona à espiritualidade yorubá-brasileira, como posicionamento político
e expansão da concepção de existência neste planeta.
Ana Reis Série Autoficções de isolamento Fotoperformance, 2020
A criação de imagens autoficcionais atravessa o corpo como órbitas
desviantes no epicentro do caos. Imersa num cotidiano reduzido ao espaço da
casa, no início da confusão instaurada pela crise pandêmica, a artista se lança
num exercício diário de construção de auto retratos ficcionais, onde a imagem
de si se dissolve e se camufla, imersa no encontro com os objetos e cores que a
envolvem. O cotidiano repetido, o estado de suspensão, a sensação de
sermos corpo-só e, ao mesmo tempo, corpo coletivo emaranhado nas biogeografias
de vulnerabilidades.
Curva ascendente> milhares de corpos diariamente fora da
órbita-Brasil com traços graves de autoritarismo e ação genocida do estado. Uma
curva que mais parece uma queda que não pára nunca de despencar. São mais de
500 anos descendo ladeira abaixo: Brasil-colônia máquina de moer gente.
Rota de fuga> orbitar pelo desvio em sobrevivências
autoficciográficas
Ana Reis é habitante do cerrado, pesquisa as poéticas e políticas do
corpo, e se lança em experimentações da performance e da criação de
subjetividades sensoriais dissidentes. Pesquisa práticas artísticas
autobiográficas e autoficcionais que produzam rachaduras e rasgos nas relações
hegemônicas de gênero em potências micropolíticas. Professora Adjunta e atual
coordenadora do Curso de Dança da UFG, ativa a performance e as práticas de
fronteira no território da educação em artes. Doutora em Artes - Poéticas
Contemporâneas pela UnB, Mestre em Artes e Graduada em Artes Plásticas
pela UFU, busca ocupar o espaço acadêmico nas bordas do possível de sua
insubordinação, contaminando a cientificidade e a neutralidade colonizadora. Coordena
a linha de pesquisa “Práticas Artísticas Autoficcionais e dissidências nas
estruturas de gênero e colonialidade” no Núcleo de Práticas Artísticas
Autobiográficas – NuPAA/UFG. Idealiza e produz, em formato colaborativo, o
“ROÇAdeira: encontros performáticos em lugares improváveis”. Integra os
coletivos “SindLAUPer: Sindicato das Loucas Artistas Unidas da Performance” e
“Acocoré: arte, coletivos, conexões e redes”. Participa de exposições,
residências e encontros de arte e pesquisa.
Beatriz Bortolozzo Gula, 2022 Pintura-Instalação
Que prazer, que delícia. Hoje, amanhã. De dia, de noite, a tarde, um
brunch. Molho vermelho, cobertura de chocolate, engasgo com o tanto que coloco
na colher, mas ainda tem muito. Termino com dor no estômago. Prefiro digerir
minhas refeições deitada, dormindo. Engulo ossos, pelos, dentes, unhas,
escamas, faço a digestão por 15 dias, desacordada. Acordo com fome. Como na
cama e durmo na mesa, de novo de novo.**
Beatriz Bortolozzo, artista do interior de São Paulo, atualmente reside
em Goiânia. Formada em Arte Visuais pela UFG concentra-se principalmente na
linguagem da pintura.
Céu Barbosa
Queda Eminente, 2021
71x20 cm
"Queda Eminente" trata-se de uma obra finalizada em julho de
2021, com dimensões de 71 x 20 cm (75x24cm com moldura), que faz uso da técnica
de bordado com miçangas azuis, utilizando linha vermelha sobre algodão tingido
de vermelho, com fundo em algodão cru. As cores representam de forma simbólica
o sangue e a água em uma simulação de cortes e cicatrização. O movimento
repetitivo que o bordado proporciona, funciona como uma metáfora para o
incansável ciclo de ferida e cicatrização parcial que se montam em meu corpo e
de uma eminente queda que essas feridas tal hora podem causar. A vida tenta se
manter pela sustentação de um fio, de uma linha que costura de volta água e
sangue para dentro da pele.
Céu Barbosa (cadelaceu) é travesti, pesquisadora, artista visual e
circense. Transita na hibridização de dança, circo, foto e vídeo performance e
outros meios em busca de técnicas e suportes que consigam traduzir suas
percepções e narrativas que surgem a partir do estudo autobiográfico. Também
investiga produções visuais de vestir (werable art) pensando nas possíveis
performances que surgem no que, quem e quando se veste.
Félix Beatriz Perini
lugares de guardar o corpo, 2022
como matéria gasosa meu corpo toma a forma do lugar que ocupa. como
matéria gasosa seu corpo pequenininho em uma caixa ainda faz brilhar. é um
mistério a coleção de recipientes. a capacidade de mutação nosso segredo
ancestral em fratura exposta. lugares de guardar o corpo. lugares de soltar o
corpo.
Félix Beatriz Perini é artista e designer nascido e criado em Goiânia.
Transviado que faz colagem de imagens e sons, experimenta o desenho e pintura
que muitas vezes se materializam em zines e impressões de baixa tiragem.
Luda Bulhões Laroyê
DesTrava:os caminhos que o corpo abre, 2022
28 fotos
Esssa exposição chega pra mim como um convite de extrema importância.
Nesse trabalho quis mostrar a beleza e a diversidade cerratense que também sou
eu, mostrando o meu corpo travesti, racilizado dentro de um contexto, ao mesmo
tempo, verde e urbano. As 28 fotos celembram a minha vida e carregam a potência
de um corpo, que ainda cotidianamente violentado pelo olhares do cotidiano,
dança para escapar. Aqui de forma artística , influênciada pela dança
esbanjando consciência corporal e principalmente celebrando a vida, que o corpo
pode se tornar, desde uma arma perigosa até o mais singelo ato artístico. Aqui
o corpo é os dois!
Luda Bulhões Laroyê é graduada em Educação Física pela UEG, Luda Bulhões
tem 28 anos, é uma travesti preta retinta, maquiadora, performe,artivista do
movimento negro atuando em diversos movimentos sociais, ex-integrante da Onep
(Organização Negra periférica Carolina Maria de Jesus) e é uma das mães da casa
de laroyê ,agora inserida na cultura de baile.
Marlan
Corpo a Dentro, 2022
Trazer consciência ao corpo/território requer investigar não só a
respeito da biologia que compõe, mas também daquilo que socialmente e
historicamente representa. Das vias, travessias e atravessamentos. Neste
trabalho “Corpo a dentro” me debruço sobre as bordas da cartografia do corpo.
Tão física quanto a boca, tão imaterial como a linguagem. Veias , artérias e
aorta, rotas marítimas e hidrovias, processos de invasão. Rio afora o sangue
jorra, em segundos percorre todo o corpo, lacustre, afluente, foz e mar. E ao
entender corpo enquanto território e território enquanto corpo, percorro as
vias circulatórias que contornam nossas fronteiras e desvios.
Marlan Cotrim, 28 anos, artista trans não binário natural de Goiânia GO.
Desenvolve trabalhos em arte têxtil desde 2015. O corpo e os dilemas que
marcaram sua corporeidade são pontos fundamentais na narrativa, após atuar como
bailarine, figurinista e estudar moda, Marlan ingressa nos processos de arte
têxtil, encontrando no tecido suporte para sua pesquisa (a pele), o bordado
como metáfora aos atravessamentos e tecelagens como processos de cicatrização.
Hoje atua de forma interdisciplinar entre os ramos da arte têxtil, design e
performance.
Ro Ro Brasil
SHE'S A FUCKING FASHION ICON, 2022
Instalação
SHE'S A FUCKING FASHION ICON é o momento do
projeto de fotografia que borra os limites entre
"moda" e autorretrato. Através da imagem da minha
mãe fui concebendo muito do
que percebo os movimentos do meu corpo. Esse corpo sempre se
derrama. Espelha. Não cabe. Analiso e construo símbolos.
Busco olhar com cuidado
aquilo que não se pode ver. Um corpo relacional se destaca.
Aceitação não mais me interessa, busco as complexidades dos corpos
que me atravessam. A dureza
desse olhar me torna crua, quase impalatável. Ancias me acompanham em
movimentos compulsivos na construção de símbolos
dos movimentos dos meus
incontáveis corpos. Reclamando os lugares impossíveis para assim poder
construir futuridade. Muito além do que os limites do corpo material pode
delimitar, símbolos, e suas relações constroem um lugar onírico de aparições turvas.
Marcelo Solá
Sem título, 2007
Mista sobre papel algodão.
Assíduo desenhista, Marcelo
Solá se comunica principalmente através desta linguagem. O artista transmite
sua maneira de ver o mundo e a vida cotidiana nas cidades, com constantes
destaques para a arquitetura. Explora seus traços em mídias diversas, como a
serigrafia, a monotipia e até a instalação. Participou de importantes
exposições no Instituto Tomie Ohtake, na Funarte, nos Museus de Arte Moderna do
Rio de Janeiro e de São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, no Festival de
Cultura da Bélgica, na 25ª Bienal de São Paulo e no Drawing Center, (Nova
York). Recebeu prêmios como a “Bolsa de Apoio a Pesquisa e Criação Artística”,
da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e duas vezes o “Prêmio
Projéteis de Arte Contemporânea”, da Funarte. Além disso, ainda participou de
residências artísticas no Brasil e no exterior, como nos Estados Unidos, Canadá
e Holanda.
Mauricinho Hippie
Sem Título, 1960-1970.
Assemblage
Artista vanguardista que tornou-se ícone da contracultura e
do comportamento dissidente e queer em Goiânia. Dobra também é uma homenagem a
esse artista de inconteste importância pra gente.
Comentários
Postar um comentário